Há algumas semanas, fui assistir o filme mais recente do Kléber Mendonça Filho, o “Retratos Fantasmas”. Um prato cheio para pessoas que, como eu, gostam dos temas cinema, memória e cidades. Entre as tantas questões levantadas pelo filme, está o declínio da cultura dos cinemas de rua, que vem acontecendo desde a década de 90.

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Corta para 2001: eu tinha ido assistir “Dançando no escuro”, do Lars Von Trier, no Cine Palace, que ficava no calçadão da Rua Halfeld, no coração de Juiz de Fora/MG, minha cidade natal. Como ainda faço até hoje, fui ver o filme sem fazer ideia do enredo (odeio ler sinopses, porém amo ver trailers). A sessão era por volta das 16h. Isso quer dizer que, logo após o filme, eu saí diretamente na rua mais movimentada da cidade, bem no final do expediente de trabalho. Eu estava – depois de mais de duas horas de surra cinematográfica e um final arrasador – aos prantos. Não dava pra segurar; o choro não parava. Foi impossível, naquele estado de comoção, evitar o olhar das pessoas, e eu senti um pouco de vergonha (eu era jovem), o que intensificou e modificou aquela experiência. Lembro-me de ter decidido ir a pé para casa (e não de ônibus, como era o plano) para que desse tempo de passar o choro; não queria encarar um interrogatório familiar. O “Dançando no escuro” acabou ganhando um lugar muito especial na minha vida, e também muito específico. Algo me diz que subir a Rua Halfeld chorando contra as injustiças do mundo está diretamente ligado à relação que estabeleci com esse diretor, com os personagens do filme, com os diversos elementos estéticos daquela obra.

Eu poderia contar dezenas de experiências que tive nos cinemas de rua da minha cidade, como quando o gerente do Cine Veneza me deixou assistir “Carne Trêmula”, do Almodóvar, mesmo que eu não tivesse ainda a idade mínima indicada pela classificação etária. O cartaz do filme chegara algumas semanas antes, e eu estava completamente seduzido pelo erotismo daquela imagem, que ficava exposta na calçada da Av. Rio Branco, num desses murais móveis, que eram colocados todos os dias do lado de fora. Ou de todas as vezes em que eu fiquei indignado (ler com a entonação do Gil do Vigor) com o Cine Excelsior, que tinha o péssimo e desrespeitoso costume de cancelar sessões quando não havia vendido um número satisfatório de ingressos.

Hoje, o Cine Palace virou uma loja Pernambucanas; o Veneza virou um centro de diagnósticos por imagem; e o Excelsior (segundo o Google Street View) virou um Banco Mercantil.

[se quiser saber mais sobre isso, dá uma olhada no site Cinemas de rua de Juiz de Fora]

Eu assisti o “Retratos Fantasmas” no Cine Sala, um dos poucos cinemas de rua de São Paulo. Antes de cada sessão, sempre passam uma animação que conta a história daquela sala, um ícone da resistência dos cinemas de rua. Há sempre um sentimento ambíguo quando assisto esse vídeo: a tristeza de ver que os cinemas de rua foram acabando e alegria de saber que há um deles ali, vivo, bem pertinho de mim.

Agora, vivendo em São Paulo, tomo diariamente minha dose de susto com o poder da especulação imobiliária (que existe também em cidades menores). Na maioria das vezes, é desanimador. Mas há também aqueles dias – que são mesmo mais raros – em que minha cabeça de contador de histórias está animada. Nessas oportunidades, eu invento cenários mais bonitos, onde a arte e a vida não são apenas itens consumíveis do capitalismo, cada um em sua prateleira. Eu imagino um menino saindo do cinema, o coração acelerado, e uma cidade aberta diante de si.

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