O primeiro semestre de 2020 foi desesperador. Desnecessário dizer o motivo. E com um agravante: em razão do isolamento social, estamos distantes dos nossos amigos e das nossas famílias. Como, então, suportar esses momentos de angústia (pelo que passou) e ansiedade (pelo que está por vir)?

Para responder a essa pergunta, cito um trecho de Leveza, o oitavo episódio da quarta temporada do Greg News (HBO Brasil): “Todas as coisas me ajudam a passar por cada sem enlouquecer e manter a leveza são produtos das cabeças de artistas. Muitos deles geniais, que povoaram minha infância, adolescência e minha vida adulto. E eu acho que não estou sozinho. Perguntei para muita gente o que que tem ajudado elas a enfrentar a solidão, a separação, a ansiedade, o medo. E, na pesquisa (informal) que eu fiz, o que eu mais recebi de resposta foi “a série que estou vendo, o livro que estou lendo, as músicas que eu ouço todo dia de manhã, as lives da Teresa Cristina (que, aliás, está mantendo a saúde mental de todos os meus amigos que estão sem dinheiro para terapia). Durante a pandemia, os serviços de streaming explodiram, e só a Netflix ganhou 16 milhões de novos assinantes; a busca por conteúdo ao vivo na internet (na enorme maioria dos casos, lives de música) aumentou 4.900% no Brasil no quarentena; no Reino Unido, a procura por livros cresceu cerca de 33% em relação ao mesmo período de 2019. A cultura nunca foi tão importante”.

Esse episódio está disponível no YouTube e já contabiliza mais de 1.500.000 visualizações. Tenho orgulho em dizer que contribuí com mais ou menos 20 dessas visualizações. Se você ainda não assistiu, recomendo fortemente que o faça; se já assistiu, assista mais uma vez – nem que seja somente os últimos três minutos, quando Gregório e sua família cantam (lindamente) a música “Menina amanhã de manhã”, do Tom Zé.

Sim: a cultura nunca foi tão importante.

Abaixo, selecionei um disco, um filme e um livro que me ajudaram a manter a leveza durante esses tempos de peste – e os coloco aqui, sob a rubrica de Melhores de 2020 (até agora).

1 disco. Vários álbuns excelentes foram lançados no primeiro semestre do ano. Bob Dylan, Haim, Perfume Genius e Phoebe Bridgers estavam inspiradíssimos. Mas, apesar da abundância, foi muito fácil escolher o melhor disco até aqui. Fetch the Bolt Cutters, da Fiona Apple, é espetacular. Um álbum difícil, estranho; a primeira audição é truncada. Mas como é bonito. Desde o seu lançamento, não passei um dia sequer sem pensar nessas músicas.

1 filme. No quesito filmes, o primeiro semestre foi muito fraco. Em razão do fechamento dos cinemas e do cancelamento dos festivais, os estúdios adiaram vários lançamentos. (Entre os adiados está Tenet, do Christopher Nolan, que eu elegi como o filme mais aguardado de 2020.) Tivemos, sim, alguns bons lançamentos via streaming: Destacamento Blood (Netflix), A Vastidão da Noite (Amazon Prime Video) e Má Educação (HBO Go) foram gratas surpresas. Mas o melhor do ano até agora foi lançado nos cinemas brasileiros em fevereiro: O Homem Invisível, dirigido pelo Leigh Whannel e protagonizado pela Elisabeth Moss. Ele não possui a inventividade de filmes recentes como Hereditário ou Midsommar, mas consegue algo raro para os suspensos contemporâneos: ser extremamente eficaz (não confirmo nem nego que gritei em uma cena envolvendo uma escada).

1 livro. Situação semelhante dos filmes: desde o início da pandemia, as editoras seguraram as novidades. Do pouco que foi lançado, o que mais gostei foi Falso Espelho: Reflexões sobre a autoilusão, livro de ensaios da Jia Tolentino publicado pela editora Todavia. O gênero de ensaios ainda é um pouco negligenciado pelo mercado editorial brasileiro; mas, de vez em quando, um livro chama tanto a atenção que nem mesmo o ceticismo dos executivos brasileiros consegue impedir a sua publicação por aqui. Foi assim com Pulphead: o outro lado da América, do John Jeremiah Sullivan (editora Companhia das Letras) e Exames de empatia, da Leslie Jamison (editora Globo). E agora com a Jia Tolentino, uma das melhoras escritoras da revista The New Yorker. Seus ensaios para a revista são maravilhosos (se você não a conhece, recomendo esse texto), mas, em formato de livro, podendo escrever textos de maior fôlego, eles ficam ainda melhor. Uma dica: leia tudo publicado pela Jia Tolentino.

Guilherme Madeira Martins mora em Juiz de Fora/MG. É um dos anfitriões da VARANDA.

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