Isso foi uma pergunta?Literatura

Se era tão importante, faz sentido eu ter esquecido?

Eu sou desses que rabisca os livros. Com lápis, caneta, marca-texto. Dobro a pontinha do papel, escrevo na margem, colo post-it e grampeio bilhetes. Isso me rende, depois, o prazer de uma viagem no tempo. Adoro abrir os livros que li 10, 20, 30 anos atrás e me surpreender com um grifo ou uma anotação (ou até mesmo um desenho).

No que eu estava pensando quando grifei esse trecho? Por que será que eu achei essa frase mais importante que a próxima? E essa interrogação aqui na margem, quer dizer que eu não entendi o conteúdo? Ou que isso é uma questão relevante? Por que eu escrevi “constante de Planck” em um texto sobre linguística? 

Entre os tantos pensamentos que me ocorrem nesses momentos, um tem se tornado recorrente: “não me lembro de ter lido nada disso!”. Mas eu li. Não só li, como também refleti sobre e até grifei, justamente para lembrar do quão importante era. Mas esqueci. Talvez tenha ficado um resto, mas tenho que admitir que esqueci. Quanta coisa que eu li, reli… e esqueci! Tem hora que dá até um calafrio. Uma sensação ruim, como se tudo fosse se esvair. Por vezes, me pergunto: “vale a pena ler esse tanto de coisa, estudar, grifar, anotar, sonhar… se depois vou me esquecer?”. 

Na maioria das vezes, me respondo: “claro que vale a pena!” Sempre fica alguma coisa: o aprendizado, os conceitos, as ideias mais revolucionárias, os personagens, as cenas que me atravessaram. Fica muita coisa, na verdade. Além disso, tem o valor da experiência. Pensa em tudo que você sentiu, em quantas decisões foram tomadas após a leitura de um texto, em quantas fantasias enredaram sua vida enquanto você pousava o livro sobre o peito. Isso me conforta… um pouco. 

Todavia, há aqui esse monte de perguntas que me chacoalham, hoje, quando estou lendo, quando estou colorindo de azul um parágrafo escrito pelo Freud. Será que vou me lembrar disso? Será que isso vai ser importante daqui a 30 anos? Se eu reler essa frase daqui a uma década, ela vai ser interpretada da mesma maneira? Tomara que não.

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As crônicas com a tag 
“Isso foi uma pergunta?” são escritas pelo Ulisses Belleigoli e também estão disponíveis no perfil do Instagram @aquinavaranda.

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