ONE STRANGE ROCK
Sabe quando você guarda uma coisa muito gostosa para comer depois? Eu andei fazendo isso com a série “One Strange Rock”, a qual eu comecei a assistir em 2019. Eu vi e revi alguns episódios nesse meio tempo, mas nunca tinha visto o final. E é daí que eu gostaria de começar.
O episódio número 10 da única temporada da série chama-se “Home” (“Casa”, em português) e mostra astronautas falando sobre como, vista de fora, a Terra é uma só, sem fronteiras. Todo mundo mora lá. O planeta é a casa de todos. É um episódio emocionante, especialmente se você anda meio preocupado com o rumo da nossa morada comum.
A série tem a seguinte configuração: oito astronautas são convidados a comentar a nossa existência como planeta e espécie, levando em consideração a experiência de terem estado “do lado de fora”. A série é dirigida pelo Darren Aronofsky e produzida pela National Geographic, o que por si só já é um convite a olhar. Dá gosto ficar diante da tela. É de tirar o fôlego. Tem horas que dá vontade de pausar e mandar fazer um quadro.
Pode parecer uma coisa meio comum, ou superficial, falar que uma coisa merece ser vista porque é bonita de olhar. Mas também é sabido que isso tem um efeito narrativo e reflexivo muito potente. Ficar 40 minutos olhando belezas diferentes – das microscópicas às interestelares – e pensando no quanto elas estão ligadas umas às outras mexeu com lugares muito profundos.
Aliás, a combinação desse monte de coisas distintas foi uma estratégia de roteiro (que nem é tão sutil) que funcionou muito para mim: juntar questões filosóficas com imagens da natureza, do que existe, do que acontece. Aproximar o que já sabemos sobre nosso habitat e os mistérios que não deciframos. Trabalhar com as entrevistas de especialistas de diversos campos, conectadas por falas de anônimos habitantes de uma região – cada depoimento com sua riqueza.
Essa construção me convidou e olhar por outro ângulo muitos assuntos caros para mim. Para poder repassar o convite a vocês, vou fazer aqui algumas perguntas, que se relacionam com muitos dos episódios/temas abordados pela série:
Você sabia que o núcleo metálico da Terra está diretamente ligado à gênese da vida no nosso planeta? Você sabia que, neste exato momento, há vida surgindo a partir de matéria inanimada, espontaneamente, bem aqui na nossa casinha? E que tem gente filmando isso? Você sabia que dá pra ver a areia do Saara viajando até a Amazônia a olho nu (se você estiver lá na estação espacial)? Você sabia que se a Terra ficar um pouco mais quente, ou um pouco mais fria, nós vamos todos pro beleléu? Você já parou para pensar em como nosso cérebro está ligado aos nossos olhos e ouvidos?
Pensar na Terra como uma rocha cheia de particularidades, flutuando num sistema planetário qualquer, é uma boa porta de entrada para algumas das reflexões existenciais mais angustiantes e mais necessárias à nossa vida em comunidade (com todas as suas subjetividades).
Levantar essas questões e ainda suscitar tantos desejos de experimentar o lugar (os lugares) em que vivemos é um dos pontos altos de “One Strange Rock”. Foi inevitável para mim acabar de assisti-la e não pensar em compartilhá-la aqui, justamente na seção “Me ajuda a olhar”, pois, sobretudo, esse me parece ser o grande mote da série: utilizar a tecnologia das câmeras e a sensibilidade dos olhares humanos em conjunto, para que possamos enxergar coisas muito grandiosas.